Fomos todos feitos para a vida e a liberdade
Jesus está em Cafarnaum e a multidão acorre ao local em busca de atenção e de cura. Quatro homens trazem um paralítico (Mcf. c 2, 1-12), que é apresentado diante de Jesus de forma inusitada, descido do telhão numa maca. Dá para imaginar os olhares circunstantes, surpresa pela magnífica manifestação de fé, que se faz solidariedade por parte daqueles homens. Não é menor a expectativa dos adversários de Jesus, sempre vigilantes para analisar e condenar suas atitudes. De sua boca tomamos o ponto de partida de nossa reflexão: “Ninguém pode perdoar pecados, a não ser Deus” (Mc 2,7).
Os seres humanos são capazes de cometer pecados, mas não de perdoá-los. O drama de nosso tempo é pretender absolver-se a si mesmo, no dizer de um personagem de Jean Paul Sartre: “Eu mesmo hoje me acuso e só eu posso também absolver-me”. Ou então a outra pretensão: negar que exista um problema chamado pecado. São sinais da perda do sentido moral! Por experiência própria, sabemos que existe o mistério do pecado e da iniquidade e sabemos que o perdão só pode vir do Alto!
Quando Jesus encontra o paralítico, sendo Ele mesmo Deus verdadeiro, sem que manifestem externamente, sabe o que pensam Seus opositores ali presentes, tanto que vai à raiz do mal que movia os pensamentos desses homens. A cura física que se segue foi a demonstração da restauração verdadeira do interior daquele homem. O mesmo Jesus, “Cordeiro que tira o pecado do mundo”, quer vir e efetivamente vem ao encontro de todos os que se descobrem pecadores e carentes de perdão.
"Tu, Jacó deixaste de me invocar, tu, Israel, ficaste cansado de mim. Não mais me ofereceste cordeiros em holocausto, deixaste de me glorificar com teus sacrifícios. Nunca te afadiguei por oferendas nem te incomodei por causa de incenso. Tu não me compraste com aromas como se fosse dinheiro, nem me saciaste com as carnes gordas dos sacrifícios. Tu, sim, me afadigaste com teus pecados, e me incomodaste com tuas culpas. Eu, eu sou aquele que apaga tuas maldades, por causa de mim mesmo, de teus pecados nunca mais me lembrarei" (Is 43,22-25).
Não é de hoje o relaxamento da consciência e a perda do sentido do pecado. Desde sempre, quem toma a iniciativa é o próprio Deus! Ele perdoa não tanto porque sejamos “bonzinhos”, mas nos provoca positivamente, oferecendo gratuitamente Seu perdão. Ele mesmo vai ao encontro das paralisias mais profundas, que nos impedem viver de verdade. Sua aproximação acontece com entranhas de misericórdia. Deus é apaixonado pelos pecadores, ainda que abomine o pecado. É que não fomos feitos para amassar barro na iniquidade, mas feitos para o Alto e para caminhar para frente, rumo à plenitude de vida. Seu plano é a comunhão entre as pessoas humanas e com Ele.
O pecado, reconhecido e posto diante de Seus olhos, pode ser e é queimado pela graça. “Se caminhamos na luz, como ele está na luz, então estamos em comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado. Meus filhinhos, escrevo isto para que não pequeis. No entanto, se alguém pecar, temos junto do Pai um Defensor: Jesus Cristo, o Justo. Ele é a oferenda de expiação pelos nossos pecados, e não só pelos nossos, mas também pelos pecados do mundo inteiro” (I Jo 1,7;2,1-2).
Quando a Igreja celebra a Eucaristia, torna-se presente o único sacrifício de Cristo, cujo Sangue foi derramado para o perdão dos pecados. Quando os cristãos se aproximam do Sacramento da Penitência ou Reconciliação, o ministro é instrumento d'Qquele que efetivamente perdoa. É um serviço oferecido às pessoas e à angústia profunda gerada pelo pecado! Além disso, viver na Igreja é sempre entrar numa estrada de pacificação e reconciliação. Somos um povo chamado à paz, cuja fonte é Cristo Ressuscitado. Os cristãos têm a grande responsabilidade de serem sinais da possibilidade e da efetiva realização da reconciliação.
Estamos prestes a iniciar a Quaresma. Voltando nossos olhos para o Alto e para frente, mirando a Páscoa, vida nova no Cristo ressuscitado. Os cristãos querem oferecer ao mundo um anúncio! A maldade não tem a última palavra, a corrupção e o egoísmo não são o destino último da humanidade. Fomos todos feitos para a vida e a liberdade! Ressoe a palavra de Deus no profeta Isaías, chegando aos corações de todos: “Não deveis ficar lembrando as coisas de outrora, nem é preciso ter saudades das coisas do passado. Eis que estou fazendo coisas novas, estão surgindo agora e vós não percebeis? Sim, no deserto eu abro um caminho, rasgo rios na terra seca” (Is 43,18-19).
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém - PA
Arcebispo de Belém - PA
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