quarta-feira, 7 de agosto de 2013

FAÇAM BARULHO

Ainda ressoam forte em nossos ouvidos as frases marcantes do Papa Francisco durante a recente Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro. Ele conseguiu dizer de modo simples e compreensível o que filósofos e teólogos costumam dizer de modo complexo. Somente quem entende a complexidade pode exprimir-se de modo tão direto, breve, relevante e simples. Como diz Adélia Prado “é dificílima esta simplicidade”.
   
Acompanhei tudo em tempo real e inserido como peregrino no Rio de Janeiro. Difícil escolher o momento mais marcante e perene. Será inesquecível a confidência do menino Natam aos ouvidos do emocionado Francisco: “Papa, eu quero ser padre”. Inusitada sua entrada em uma igreja da Assembleia de Deus na comunidade de Varginha, onde pediu para rezar com os pastores. Interessante o modo como encarna e insiste naquilo que chama “cultura do diálogo”. Não abre mão do face-a-face. Quem não ficou encantado com o vidro de seu carro popular, sempre aberto... até mesmo durante o desconcertante e constragedor momento em que ficou preso no engarrafamento, logo na chegada?
   
Posso dizer que nesta JMJ momentos grandiosos ficaram pequenos e pequenos gestos serão eternizados. Um destes “momentos menores” teria sido o seu encontro com os compatriotas argentinos, na catedral do Rio de Janeiro, na quinta-feira, 25 de julho. Como ele mesmo explicou, não fazia parte da agenda oficial. Mas ele pediu e prontamente foi atendido. Retardou o horário do almoço e, após uma manhã instensa, foi para o esperado encontro com os argentinos. Foi um grande momento!

Não havia discurso preparado. Chegou sem papel na mão. Falou direto de seu coração. Preciso ser sincero. Foi o discurso que mais me impactou. Nenhuma palavra me sai da memória. Foram palavras tão espontâneas quanto sistemáticas e profundas. Um conselho atravessou todo o seu breve pronunciamento.  ¡Hagan lío! Literalmente é fazer confusão. Mas o Papa estava à vontade para utilizar as expressões próprias de sua origem portenha. Em Buenos Aires esta expressão significa “fazer barulho; fazer-se ouvir; não ficar passivo; reagir; não se acomodar; agitar; ir para as ruas e fazer acontecer”. Os jovens argentinos presentes naquela catedral entenderam imediatamente. Levei um pouco mais de tempo. Conversei com alguns argentinos e consegui entender a convocação de Francisco para que em cada paróquia e diocese os jovens sejam protagonistas da evangelização e que não se deixem calar: “Façam barulho!”

Neste mesmo discurso Francisco falou que a sociedade atual está “entrando em parafuso”. Explicou que as duas pontas da consistência social são excluídas e colocadas uma contra a outra: idosos e jovens. A ambos é negada a palavra e o trabalho. O Papa exortou os jovens a que recebam a reserva cultural que vem dos idosos; que os respeitem, escutem e se aliem a eles para “fazer barulho” contra este perverso sistema de exclusão.

Ainda encontrou espaço para alertar os jovens de que vivemos em uma “sociedade líquida”. Tudo é subjetivo e relativo. Ele brincou dizendo que podemos fazer suco de banana ou de laranja, mas não podemos fazer “suco da fé”, ou seja, não podemos diluir a fé em objeto de consumo ou mero entretenimento religioso. É uma mensagem forte que merece muita reflexão. Como anda a nossa evangelização? Será que não estamos preocupados demais em vender o nosso peixe? Será que não estamos revestindo a cruz com sabor de chocolate ou com a melodia de belas canções? Será que não estamos diluindo a fé para que seja aceitável nesta sociedade consumista? Alguém me disse que “gostou muito” da “minha” missa. Não sabe o quanto isso me preocupou. Estamos celebrando missas “gostosas”? Enquanto isso Francisco continua a proclamar profeticamente: FAÇAM BARULHO!
Padre João Carlos Almeida

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