segunda-feira, 6 de outubro de 2014

PIERCING E A TATUAGEM NO CORPO DO CRISTÃO

Será, então, que o uso dessas práticas, mesmo na cultura ocidental, pós-moderna, não vem carregado de um sentido espiritual?
“Não fareis incisões na vossa carne por um morto, nem fareis figura alguma no vosso corpo. Eu sou o Senhor” – Lv 19,28.
Vemos nesse texto bíblico a proibição de Deus ao povo de Israel de fazer tatuagens e incisões na pele. Para não cairmos em fundamentalismos, temos que ir ao contexto e descobrir a essência da mensagem. O contexto é que se tratava de prática idólatra dos povos pagãos que circundavam Israel, e a essência é que não condiz ao seguimento do Deus Uno qualquer forma de idolatria e, então, o corpo do homem não pode ser um espaço de expressões idólatras.
Tatuagens e piercing têm alguma coisa a ver com isso? O que são piercing e tatuagem? “A expressão piercing tem sido usada para designar um tipo de adorno inserido por perfuração em certas partes do corpo. Tatuagem é a pintura da pele com pigmentos insolúveis e definitivos.” 1
Olhando assim, de forma objetiva, parece que a tatuagem e piercing não têm nada de censurável. Mas precisamos aprofundar o significado deles. Penso que a análise da moralidade dessas práticas passa por duas questões:
- Primeiro, essas práticas geralmente estão relacionadas a comportamentos, tantas vezes velados, mas presentes, de vaidade, sensualidade e irreverência. Mesmo que na intenção pessoal isso não esteja claro, tatuagens e piercing na nossa cultura carregam esses significados. Nesse sentido, o texto do Levítico não está tão distante dessa realidade, porque vaidade, sensualidade e irreverência são verdadeiros ídolos a quem o homem moderno presta culto e realiza sacrifícios inescrupulosos. Mesmo que pessoalmente seja simplesmente uma atitude adolescente de inclusão a um grupo, a motivação do grupo está envolvida com esses valores.
Não nos enganemos, mas tudo o que fazemos com nossas coisas, especialmente o nosso corpo, comunica nossos valores e transmite mensagens boas ou ruins. Usando isso, ainda que a intenção primeira não seja esta, o usuário contribui para a valorização desses cultos que tanto têm destruído as virtudes contrárias a esses valores em nossa sociedade: simplicidade, pureza e mansidão.
Alguém pode objetar que outras práticas normais, como o uso de brincos e maquiagens, também pode ter um significado de culto à vaidade, sensualidade e irreverência. Sim, isso é verdade. Mas essa exortação vale também para elas, porque as práticas comuns, sem a virtude da temperança, também podem nos dispor a essas ciladas.
É significativo que, na maioria das culturas, especialmente o piercing tem um sentido religioso e espiritual. “A ideia hinduísta do piercing é de que este objeto representa um contato, uma abertura para a atuação de divindades nas mais variadas áreas da vida humana, cada área representada por uma parte do organismo. É interessante observar que o uso do piercing está tão ligado a estas crenças hinduístas que os locais de colocação dos piercings (lábios, umbigo, nariz, sobrancelhas, entre outros) correspondem, exatamente, aos pontos correspondentes, os chamados “chakras”, que são os centros de energia onde se daria a interação entre o corpo e a mente, de onde se poderia estabelecer o controle sobre a mente e o corpo de alguém.” 2 .
Será, então, que o uso dessas práticas, mesmo na cultura ocidental, pós-moderna, não vem carregado de um sentido espiritual? Será que não expõe, de algum modo, a pessoa a realidades espirituais, uma vez que “vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar”- 1Pd 5,8?
- A outra questão a se considerar é o respeito ao corpo, que é templo do Espírito. Essa é uma forte exortação de São Paulo em 1Cor 6, 12-20, e também do Catecismo da Igreja Católica. Este quando trata do quinto Mandamento da lei de Deus, o “Não matarás”, além do evidente, fala também sobre a necessidade do respeito à saúde (§§ 2288-2291), como um apelo moral do cristão.
Nesse sentido, o piercing e a tatuagem também não se harmonizam com os valores morais cristãos. De maneira geral, os profissionais de saúde contraindicam o uso dessas marcas em nosso corpo. Eles dispõem o corpo a uma série de complicações, desde a transmissão de doenças contagiosas no momento da aplicação, como da Hepatite B (HBV), da Hepatite C (HCV) e do vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), Sífilis etc; como complicações posteriores: infecções diversas, dermatites, alergias e até há relatos de casos registrados de endocardite infecciosa (uma infecção grave na camada interna do coração). Isso tudo, sem contar que, no caso das tatuagens, a remoção posterior é difícil, podendo expor a pessoa a novas complicações.
Quanto ao piercing, alguém pode perguntar se há alguma diferença entre ele e o brinco usado nos lóbulos das orelhas. Sob o ponto de vista da saúde, há muita diferença. O lóbulo da orelha é a região que apresenta melhores condições porque tem vascularização adequada (nem muito como, por exemplo, a língua e lábios, e nem pouco, como nas cartilagens), é arejado, pouco exposto a suor e secreções e é de fácil higienização. Trata-se, assim, de uma região do corpo com improváveis chances de complicações. Outra é a situação dos diversos locais do corpo em que se costuma usar piercing, em que a exposição a riscos é muito maior. Aliás, veja-se como a tradição de culturas civilizadas tem valor. Nela se escondem sabedorias que nem imaginamos. O verdadeiro progresso social e cultural está em um novo que parte da tradição.
(Mi, penso que o que está entre parenteses pode vir antes da pergunta, para a frase ficar mais direta, o que acha?)Ainda ponderando sobre o respeito ao corpo, lanço uma pergunta: será que a tatuagem e piercing respeitam a beleza do corpo (entendido mais como harmonia que expressa e comunica o bem e o amor, do que a sensualidade)?
Penso que as aberrações que vemos por aí nos dão a pista da resposta: não. Não, inclusive porque qualquer coisa que marque o corpo de forma estável ou permanente comunica que ele não é tão bom assim, ele não é tão digno e tão belo porque precisa ser melhorado (isso seria diferente de uma prótese, que visa justamente restaurar em um determinado corpo a integridade perdida e que é própria do corpo humano).
A Igreja não tem nenhum pronunciamento claro ou oficial sobre essa questão. Mas ela nos dá os princípios da fé que, com o discernimento dos espíritos, podemos, sim, ponderar e fazer um juízo sobre questões como essa. “O corpo, porém, não é para a impureza, mas para o Senhor”. 1Cor 6,13b.
Que seus princípios partam sempre da dignidade do seu corpo para Deus, e que seus discernimentos busquem que, em tudo, você e seu corpo, glorifiquem a Deus.

André Botelho

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