quinta-feira, 3 de abril de 2014

O AMOR QUE ANIMOU JOSÉ DE ANCHIETA



Os apóstolos acendem diante dos homens a luz de Cristo porque querem alegrar o coração de Deus. Foi o que fez o beato José de Anchieta em solo brasileiro.
Será canonizado pelo Papa Francisco, este mês, o bem-aventurado José de Anchieta, “apóstolo do Brasil”. Por seus corajosos esforços, muitíssimas almas foram conquistadas para Cristo e o que podia não passar de mais um reinado mundano pôde, por graça de Deus, tornar-se Terra de Santa Cruz.
José de Anchieta, de nacionalidade espanhola, nasceu nas Ilhas Canárias, no ano de 1534. Foi sua mãe, então recém-convertida ao cristianismo, quem lhe deu a dádiva da fé. Mandado a Portugal muito cedo para estudar, destacou-se como uma mente brilhante, chegando à trabalhosa obra de compor poemas na língua latina.
Com apenas 19 anos, o seminarista José de Anchieta é chamado a integrar as comitivas que partiam Atlântico adentro em busca de terras (e almas). Ao sair da Europa, despede-se de seus parentes, certo de não voltar mais. “Nos vemos no céu!”, diz à sua família. Em solo brasileiro, catequiza os índios em língua tupi-guarani e produz uma gramática nesse idioma, a fim de facilitar a comunicação entre os evangelizadores e os povos nativos.
Como São Paulo, Anchieta atravessa várias porções de terra para fazer resplandecer a luz de Cristo. Em uma de suas viagens – que descreveu em longa carta ao superior-geral da Companhia de Jesus, Diego Lainez [1] –, ele testemunha as “grandes opressões” que infligiam aos portugueses os índios tamoios, “levando continuamente os escravos, mulheres e filhos dos Cristãos, matando-os e comendo-os”. Mesmo conscientes de antemão do mal que lhes podia fazer essa tribo, ele e o padre Manuel da Nóbrega não hesitam ir ao seu encontro, para firmar com ela um acordo de paz ou, se possível, trazê-los à fé cristã e “ganhar algumas almas de seus filhos inocentes com a água do santíssimo batismo”.
Após ver os tamoios matarem e comerem o escravo de um companheiro de viagem e confessar, aturdido, “que muito me afligia a carne com contínuos temores” [2], Anchieta recorre à intercessão de Nossa Senhora e promete compor um poema sobre sua vida, pedindo – grande sinal de amor a Deus – não que fosse preservado do ataque dos índios, mas que fosse livre de todo o perigo de pecado. Dessa bela promessa nasceu o famoso poema De Beata Virgine Dei Matre Maria, cujos 4172 versos Anchieta escreveu na areia do mar, antes de passar ao papel.
Das visitas às aldeias indígenas, que eram sempre precedidas pela celebração da Santa Missa, muitos frutos eram colhidos, mas, sempre à custa de muitas dificuldades. Além do canibalismo, era muito comum entre as tribos a prática do infanticídio. Em uma passagem impressionante, Anchieta conta como batizou e salvou da morte uma criança que acabara de ser cruelmente enterrada:
Sem nenhuma confiança na vida dele, por haver já tanto tempo que estava debaixo da terra, deixei as matinas e fui correndo molhar um pano em água e cavando a terra vi que ainda bolia e batizei-o, fazendo tenção de o deixar, parecendo que já expirava, mas dizendo-me umas mulheres que podia ainda viver, porque, às vezes, estavam tais como estes todo um dia enterrados, e viviam, determinei retirá-lo e fazê-lo criar. A este espetáculo tão novo, concorreram muitas mulheres da aldeia e com elas um índio com uma espada de pau para quebrar-lhe a cabeça, ao qual disse que o deixasse que eu o queria tomar por meu filho e com isto se foi; desenterrei-o e nenhuma daquelas mulheres lhe quis pôr mão, para lavá-lo, por mais que lhes rogasse, antes se estavam rindo e, passado tempo, dizendo que já o Padre tinha filho, e lhes ficou isto depois por gracejo, e a todos os índios 
De tantas histórias colhidas da vida do bem-aventurado José de Anchieta, sobressai sempre a sua preocupação pelas almas: ordenado sacerdote em 1565, o padre configurou-se de tal modo a Cristo que copiou com fidelidade o Seu grande amor pelos homens, o sacrifício contínuo e perseverante por sua salvação.
Consciente de que os índios eram pessoas humanas, não peças de museu, Anchieta trabalhava verdadeiramente para transformar a cultura indígena. Ele sabia que era preciso evangelizar, “não de maneira decorativa, como que aplicando um verniz superficial, mas de maneira vital, em profundidade e isto até às suas raízes, a civilização e as culturas do homem” [4]. Afinal, como ensinava o beato João Paulo II:
Se, de fato, é verdade que a fé não se identifica com alguma cultura e é independente em relação a todas as culturas, não é menos verdadeiro que, precisamente por isto, a fé é chamada a inspirar e impregnar todas as culturas. É o homem todo, na realidade da sua existência quotidiana, que é salvo em Cristo e é, por isso, o homem todo que se deve realizar em Cristo. Uma fé que não se torna cultura é uma fé não plenamente acolhida, não inteiramente pensada e nem com fidelidade vivida.” 
Se hoje o Brasil pode cantar com alegria ter nascido sob as bênçãos de Deus e sob o sinal da Cruz, é porque homens infatigáveis como José de Anchieta se esqueceram totalmente de si mesmos para servirem a Cristo nos povos nativos da América. Suas vidas lembram a nós, homens do século XXI, a essência missionária de todo cristão. Ao lado do chamado a seguir Jesus, está sempre o apelo do anúncio. Por isso o Papa Francisco diz que “cada cristão é missionário na medida em que se encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus” 
Acender diante dos homens a luz de Cristo é um serviço de caridade. Foi isso que santificou São Paulo, São Cirilo e São Metódio, São Francisco Xavier e – agora, com a confirmação do Sumo Pontífice – o grande José de Anchieta. Conscientes de que converter os corações a Cristo, como fez o beato José de Anchieta, é dar alegria a Deus, evangelizemos também nós, por amor a Ele e às almas que conquistou com o Seu sangue.



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