sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A CULTURA DO DESCARTE

Qual tem sido a tendência dos nossos tempos atuais?
Quando o Papa Francisco esteve no Brasil, ele chamou a atenção para a "cultura do descarte". Confesso que essa expressão me chamou muito a atenção. Eu me lembro bem do tempo em que ter um celular era coisa para poucas pessoas e, quando se conseguia comprar um, era motivo de comemoração. Hoje, no entanto, temos postos de coleta para o "descarte" de dispositivos móveis.
  
Claro que o fato de a maioria das pessoas ter um telefone celular é algo que deve nos alegrar, pois pode aproximar as pessoas e contribuir para a superação de muitas dificuldades. No entanto, quando nos acostumamos a descartar coisas, corremos o risco de também descartarmos pessoas, seguindo os mesmos critérios que usamos em relação ao celular: serve ou não serve. É justamente nesse sentido o discurso e a prática do Santo Padre em relação aos pobres.

Quando olhamos sob a perspectiva da utilidade, o que um mendigo que bate à nossa porta pode nos oferecer? Nada! Pelo contrário, ele, provavelmente, nos incomodará. Qual tem sido a tendência dos nossos tempos atuais? Desprezar essas pessoas, pois elas não “servem”. O Santo Padre, seguindo um ensinamento católico por excelência, que foi transmitido fortemente por todos os últimos papas, especialmente o Beato João Paulo II e Bento XVI, mostra o valor da gratuidade.

Há, de fato, uma misteriosa felicidade em dar a quem não pode retribuir. Isso ocorre, porque, no fundo, sem percebermos, estamos dando a quem nos deu tudo: oferecemos a Deus. São justamente essas as palavras do Evangelho: “Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes” (Mt 25,40).
Com isso, Nosso Senhor jamais condenou a propriedade privada, isso é, o direito de possuir coisas conquistadas por nosso trabalho ou por nossa capacidade na vida econômica; pelo contrário, ela é fruto da liberdade humana, e o próprio Jesus exalta o que multiplica os talentos, o que, bem compreendido, também se aplica aos bens materiais. Na verdade, somente quando nós temos a propriedade sobre alguma coisa é que podemos dá-la ao outro. Se eu dou a alguém o que não é meu, isso, no fundo, é roubo, como nos ensina o professor Cézar Saldanha ao falar sobre a caridade.

No entanto, a nossa propriedade contribuirá para a nossa verdadeira felicidade quando ela for coroada pela caridade, isto é, pela virtude infundida em nossa alma por Deus, segundo a qual reconhecemos o “sabor” de renunciarmos ao que é nosso para que o outro possa ter. Neste ponto, está a grande singularidade do pensamento autenticamente cristão: diante da pobreza, a minha ação imediata não é a alteração dos sistemas econômicos, mas a Caridade Misericordiosa. É claro que, na sequência, o pensamento e a prática cristã exigem o empenho para que as instituições políticas e econômicas sejam mais racionais e sirvam de maneira adequada à pessoa humana.

Diante daquele que nos pede um prato de comida, não podemos dizer: “Aguarde, meu amigo, pois estou lutando por um mundo melhor; amanhã faremos uma passeata, e, quem sabe, um dia você não precisará mendigar”! Não foi assim, pelo menos, que agiu a Beata Madre Teresa de Calcutá. Pelo contrário! Diante dos sofredores, ela “abraçava a Carne de Cristo” para citar outra expressão marcante do Papa Francisco. E ela fazia isso, porque a Carne de Cristo não é descartável, mas preciosa.

Mesmo entre as coisas, ainda há muitas que não queremos descartar: desconheço pontos para descartar jóias; um valor infinitamente maior impede o descarte da pessoa humana.
Evandro Gussi

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