domingo, 16 de março de 2014

JEJUM QUE AGRADA A DEUS

“O meu espírito, ó Deus, é um espírito contrito; um coração contrito e humilhado vós não desprezais” (Sl 51, 19).
oracao
Através da Palavra, a Igreja instrui seus filhos acerca do verdadeiro sentido da penitência quaresmal. ”De que serve jejuar, se com isso não vos importais? E mortificar-nos, se nisso não prestais atenção?” (Is 58, 3). Assim o povo de Israel, escrupuloso observante do jejum legal, elevava a Deus sua voz, como se pudesse apresentar direitos por causa de práticas de penitência destituídas de verdadeiro espírito de piedade! E respondia a voz de Deus: “Passais vosso jejum em disputas e em alterações, ferindo com o punho (…) É porventura este o jejum que me agrada?” (Is, 4-5).
Se a penitência não conduz ao esforço interior para eliminar o pecado e praticar a virtude, não pode ser agradável a Deus que deseja ser servido por um coração humilde, puro, sincero. O egoísmo e a tendência em auto- afirmar-se conduzem, frequentemente, o  homem a se colocar no centro do universo, sendo assim, capaz de menosprezar os outros e descuidando, portanto, da lei fundamental que é o amor fraterno.
“Inutilmente se subtrai ao corpo o alimento, se não se afasta do pecado o espírito” (S. Leão Magno, IV Sermão de Quaresma).
Os hebreus, se abstinham de alimento, deitavam-se no saco e na cinza, mas não cessavam de oprimir o próximo que eram severamente repreendidos. Para Deus, estas práticas de penitência eram rejeitadas. Pouco ou nada vale impor-nos privações corporais se, não sabemos renunciar nossos próprios interesses para respeitar e favorecer os do próximo; nem às próprias vistas para secundar as dos outros, se não procuramos suportar pacientemente as injúrias recebidas.
Assinala a Sagrada Escritura que, justamente a caridade torna aceitável a Deus as práticas de penitência. O jejum que agrada ao Senhor “não consiste, porventura, em repartir teu alimento com o faminto, em dar abrigo aos infelizes sem asilo, em vestir os maltrapilhos? Então sim, tua luz irromperia como aurora, e tuas feridas não tardariam a cicatrizar-se” (Is 58, 7-8). Então, a “luz” da boa consciência resplandece diante de Deus e dos homens, e “a ferida” do pecado é curada pelo verdadeiro amor manifestado para com Deus e os irmãos.
Os discípulos de João Batista, admirados em relação aos de Jesus por não observarem como eles o jejum, interrogaram um dia o Mestre a este respeito e Jesus responde: “Podem, porventura, os convidados às núpcias afligirem-se enquanto o Esposo está com eles?” (Mt 9, 15). Para os hebreus era o jejum sinal de dor, de penitência, observado especialmente nas épocas de calamidades, para implorar a misericórdia de Deus, ou para exprimir arrependimento dos pecados. Porém agora, que o Filho de Deus encontra-se na terra celebrando suas núpcias com a humanidade, parece o jejum um contra-senso: aos discípulos de Jesus destina-se a alegria em vez do pranto. O próprio Cristo veio libertá-los do pecado; por isso a salvação deles não consiste tanto em penitências corporais, mas em se abrirem totalmente à Palavra e a graça do Salvador. Todavia, não pretendeu Jesus de modo algum eliminar o jejum, ao contrário, Ele mesmo já havia ensinado com que pureza de intenção deveriam praticá-lo: fugindo de toda espécie de ostentação com o fim de atrair os louvores alheios. “Quando jejuares, perfuma tua cabeça e lava teu rosto; assim não parecerá aos homens que jejuas… e teu Pai, que vê o que se passa em segredo, recompensar-te-á” (Mt 6, 17-18). Depois, aos discípulos do Batista, diz o Senhor: “Dias virão em que lhes será tirado o Esposo; então jejuarão” (Mt 9, 15).
O jejum cristão não é somente sinal de dor pelo afastamento do Senhor, mas de fé e esperança nEle que permanece invisivelmente entre seus amigos na Igreja, nos Sacramentos, na Palavra e um dia voltará de modo visível e glorioso. Sinal é, o jejum cristão, de vigília, mas vigília gozosa “na expectativa da feliz esperança e da aparição gloriosa de nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo” (Tt 2, 13). Santo Agostinho explicita bem esta realidade:
“Ó Senhor, no tempo de jejum, mantende desperta minha mente e reavivai em mim a salutar recordação do que misericordiosamente fizestes para meu bem, jejuando e rezando por mim (…)
Houve, porventura, misericórdia maior que a vossa, Criador do céu? Por ela, do céu descestes a fim de sofrerdes fome e, em vossa Pessoa, a saciedade passar sede, a força experimentar fraqueza; a saúde, enfermidade; a vida, morrer! Que maior misericórdia do que fazer-se criatura o Criador e servo o Senhor?
Ser vendido quem veio para resgatar, humilhado quem exalta, morto quem ressuscita? Entre as esmolas a fazer, ordenais-me dar pão a quem tem fome; e para dar-vos em alimento a mim, faminto, entregastes-vos, antes, às mãos dos carrascos. Mandais-me acolher os peregrinos, e por mim viestes à vossa própria casa e os vossos não vos receberão. Que minha alma vos louve por vos mostrardes assim tão propício a perdoar todas as minhas iniquidades, a curar todos os meus males, a arrancar da corrupção minha vida, a saciar com vossos bens, meu coração. Fazei que, enquanto jejuo, humilhe-se minha alma, vendo como vós, Mestre de humildade, vos humilhastes, fazendo-vos obediente até à morte de cruz.” (Sto. Agostinho, Sermão 207, 1-2)
O jejum, como qualquer outra forma de penitência corporal, tem a finalidade de alcançar desapego mais profundo das satisfações terrenas, para tornar o coração mais livre e capaz de saborear as alegrias de Deus e, portanto, a alegria eterna da Páscoa do Senhor. Caminhemos nesta certeza!

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