terça-feira, 29 de abril de 2014

A VIRTUDE DA TEMPERANÇA

Trata-se de um “tempero”, de uma ordem dada às energias de vida que recebemos de Deus
Uma rápida consulta ao dicionário nos revela que a virtude da temperança tem algo a ver com a moderação na comida, na bebida e no sexo.

Santo Agostinho (354-430) recorda que comida, bebida e sexo são realidades que alimentam a vida humana e possibilitam tanto a sobrevivência do indivíduo (comida e bebida) como a sobrevivência da espécie humana como um todo (sexo).

Veja, no entanto, que estranho: são exatamente essas forças de vida que podem gerar a desordem que nos leva à morte. Por isso, as desordens que entregam o homem ao prazer da comida e da bebida (gula) e aos deleites do sexo (luxúria) parecem ser mais potentes que todas as outras. A gula e a luxúria conseguem desestruturar mais que as outras doenças. Ou seja, curiosamente, parece que, no centro da própria vida do homem, existe algo que pode levá-lo à morte. 

Insistimos nesta ideia para que não passe despercebida, pois é muito importante. O prazer da bebida e da comida atua na conservação do indivíduo. Se alguém deixar de comer, certamente morrerá. Algo análogo acontece com o deleite sexual no âmbito da conservação da espécie. Se toda a humanidade decidisse parar de manter relações sexuais, a espécie humana deixaria de existir. Ora, são exatamente essas tendências de conservação do indivíduo e da espécie humana, criadas por Deus, que podem se desordenar a ponto de nos levar à morte. 

Por isso, o vício da gula não é uma entidade com existência própria, como se fosse um parasita a ser arrancado ou um demônio a ser expulso. Se fosse assim, a temperança poderia ser alcançada com um inibidor de apetite ou uma cirurgia estomacal. Mas a medicina atual já comprovou que o problema não está no corpo. Cirurgias e medicamentos podem auxiliar, mas nada substituirá a virtude da temperança. 

Nenhum dom, nenhuma energia dada por Deus pode ser desprezada, mas sim ordenada, direcionada para Ele. Acastração de Orígenes jamais foi aprovada pela Igreja (e também não resolveu seus problemas sexuais; porém, quando descobriu isso, já era tarde demais). Extirpar as energias que usamos para pecar não é uma realidade possível nem desejável, pois as tendências que mais podem perturbar a alma são exatamente as que estão no centro da vida humana. 

Retomando a comparação feita com um carro, poderíamos dizer o seguinte: o problema dos desastres de automóvel não será resolvido com a retirada do motor do veículo, esvaziando-lhe o tanque ou proibindo o motorista de usar o pedal do acelerador, pois é próprio da natureza do carro produzir movimento, energia cinética. O problema só poderá ser resolvido satisfatoriamente se esta energia for limitada pelo frio e direcionada pelo volante.

Este é o tipo de ordenamento proposto pela temperança. Trata-se de um “tempero”, de uma ordem dada às energias de vida que recebemos de Deus. Ao temperar os alimentos, o bom cozinheiro sabe a medida certa e a forma de usar cada um dos condimentos. Precisamos aprender a usar os temperos da vida, para que ela não perca o sabor.

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