domingo, 19 de janeiro de 2014

EIS O CORDEIRO DE DEUS

Eis o Cordeiro de Deus”, diz o sacerdote todos os dias durante a celebração da Santa Missa. A expressão é retirada das páginas do Evangelho, em que São João Batista aponta para Jesus como aquele “que tira o pecado do mundo”. Neste Segundo Domingo do Tempo Comum do Ano A, a Liturgia da Igreja traz para nós uma meditação sobre essa mesma cena, descrita por São João Evangelista. São palavras simples -- com as quais já estamos habituados --, mas que escondem um profundo mistério: o Deus encarnado, a vítima imolada, o nosso redentor.

Por várias vezes as palavras “cordeiro de Deus” aparecem na Santa Missa. No famoso canto Agnus Dei, a comunidade se dirige a Deus, elevando aos céus súplicas por Sua piedade. Trata-se de uma oferta. A expressão “o cordeiro de Deus” remete-nos para o sacrifício pascal, atualizado na celebração eucarística pelas mãos do sacerdote. No Egito, durante as dez pragas com as quais Deus puniu o faraó, os hebreus sacrificam um cordeiro e passam o sangue dele em suas portas, a fim de terem os filhos poupados pelo anjo exterminador. O “cordeiro de Deus” é, portanto, aquele que dá seu sangue pela vida de seus filhos. O cordeiro imolado na cruz.

Todo o Evangelho de São João contempla esse paralelo entre o cordeiro do Egito e o cordeiro crucificado. Em seu relato, vemos que Jesus é condenado à morte no mesmo instante em que os sacerdotes se preparavam para matar os cordeiros da páscoa. Segue-se a isso a narrativa dos soldados perante os três crucificados. Eles desejam quebrar as pernas dos malfeitores, mas aos ossos de Cristo não fazem mal algum, cumprindo o que se predizia nas Escrituras: “nenhum dos seus ossos será quebrado” (Cf. Ex 12, 46).

O estimado teólogo luterano Joachim Jeremias propõe-nos algo interessante a esse respeito. Refletindo sobre as possíveis traduções da palavra cordeiro (talya, em aramaico), o teólogo nos faz notar que João Batista podia estar se referindo a dois sentidos: "servo" ou "cordeiro" 01. Essa nova interpretação, por sua vez, nos conduz imediatamente para outro texto: o quarto canto do servo sofredor, do livro do profeta Isaías. Na descrição do profeta, o servo de Deus aparece como aquele que "tomou sobre si nossas enfermidades, e carregou os nossos sofrimentos" (Cf. Is 53, 4). Temos então um paralelo direto com as palavras seguintes de São João Batista: “aquele que tira o pecado do mundo”. Jesus é o servo/cordeiro que tira/carrega os nossos pecados.

Ainda assim, o "cordeiro de Deus" de que fala o Evangelho também pode nos recordar do "cordeiro do Apocalipse". É a constatação que faz o teólogo e ex-pastor protestante Scott Hahn, no famoso relato de sua conversão ao catolicismo. No livro "O banquete do cordeiro" 02, no qual se encontra o seu testemunho, Hahn descreve o sacrifício da Missa em alusão ao cordeiro do Apocalipse; observação que acabou por trazê-lo ao seio da Igreja Católica.

O "cordeiro de Deus" é, portanto, o "cordeiro pascal", o "servo sofredor" e "o cordeiro do Apocalipse".

Vemos em todas essas interpretações uma sombra da cruz, por assim dizer, que nos faz identificar a realidade do sacrifício. Cristo morre na cruz para nos libertar. O pecado nos fez escravos do demônio. Era preciso então que essa ferida fosse redimida 03, tal qual descreve São Pedro em sua primeira carta (Cf. 18 - 20):

[...] Porque vós sabeis que não é por bens perecíveis, como a prata e o ouro, que tendes sido resgatados da vossa vã maneira de viver, recebida por tradição de vossos pais, mas pelo precioso sangue de Cristo, o Cordeiro imaculado e sem defeito algum, aquele que foi predestinado antes da criação do mundo e que nos últimos tempos foi manifestado por amor de vós.
A narração do Evangelho deste domingo nos coloca diante da realidade do sacrifício, algo que fica ainda mais em evidência quando contraposto com a leitura da semana passada, em que celebrávamos o Batismo de Jesus. Jesus é batizado por São João Batista, e recebe o Espírito Santo em forma de pomba. Qual é o significado disso? Ora, todo sacrifício necessita do fogo. O Espírito Santo é, pois, esse fogo que vem converter a dor em amor.

Chegamos então ao ponto fulcral da nossa reflexão: o Espírito Santo é quem transforma o sofrimento em amor. Com efeito, uma vez que pelo batismo fomos introduzidos no Corpo de Cristo, no sacrifício da cruz também estamos presentes; também somos transformados pelo amor do Espírito Santo, no instante em que Jesus diz: "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito." (Cf. Lc 23, 46). É a dinâmica pascal; somos convidados a entrar nessa dinâmica do Espírito Santo. Jesus olha para nós, assim como olhou para os discípulos de São João Batista, e nos diz: "vinde e vede" (Cf. 1, 39).

É o caminho da conversão: seguir com “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. Não se espantar com a dor mas deixar-se tocar pela graça, reclinando a cabeça no peito de Cristo, assim com o fez São João Evangelista. Só dessa maneira a nossa dor poderá se converter em amor, o amor que brota da cruz.

Amém.
Padre Paulo Ricardo

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